De São João para o mundo
- Luana Zuin
- 26 de out. de 2019
- 4 min de leitura
A trajetória da célebre pianista sanjoanense que encantou o mundo com talento, simplicidade e charme
São João da Boa Vista é conhecida por ser uma cidade de mulheres pioneiras na história. Dentre nomes como Pagu, Maria Sguassábia, Orides Fontela, temos Guiomar Novaes – a pianista que encantou não só o interior de São Paulo, mas o Brasil e o mundo todo, principalmente Estados Unidos e Europa.
Guiomar nasceu no dia 28 de fevereiro de 1894, em São João da Boa Vista, sendo a décima sétima dos dezenove filhos do casal Ana de Carvalho Meneses e Manuel José da Cruz Novaes. Desde muito nova, Guiomar encantava com seu talento nato e paixão pelo piano: aos quatro anos já tocava, depois de ver as irmãs mais velhas tocando, e aos sete já havia composto sua primeira valsa.
O pai, conhecido como Manoelzinho, decidiu procurar um professor de piano para aprimorar o dom da filha: Eugenio Nogueira foi o escolhido, o primeiro professor de Guiomar, quando a mesma tinha seis anos.
Mais tarde, passou a ter aulas com Luigi Chiaffarelli, um mestre italiano de destaque da época, em São Paulo. Como aluna dele, a pianista mirim começou a subir aos palcos a partir de 1902, com apenas oito anos.
Guiomar conquista o exterior
Em 1909, aos 15 anos de idade, a jovem pianista vai a Paris como bolsista do governo paulista para inscrever-se em concurso no Conservatoire de Paris. Concorreu com outros 331 pianistas e conquistou o primeiro lugar. Na capital francesa, teve seu segundo professor, Isidore Philipp. Quatro anos depois, encerra o curso no conservatório de Paris, conquistando o primeiro prêmio com a execução da 2ª Balada de Chopin.
Começa então sua carreira pela Europa: em 1913, vai para Milão e é aplaudida pelos italianos em sua audição no Salão Real do Conservatório. Depois, parte para Suíça, onde também é aplaudida – dessa vez, por três mil pessoas, numa apresentação em Genebra. Vai ainda para Berlim e Munique na Alemanha.
Entretanto, o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, interrompeu sua carreira na Europa e a fez voltar para o Brasil. No dia 21 de fevereiro de 1914, Guiomar retorna a sua terra natal, São João da Boa Vista, onde é recebida com muito carinho popular.
Em 1915, com 21 anos, fez sua primeira turnê nos Estados Unidos. Regressou ao Brasil algum tempo depois. Aqui, se apresentou em recitais nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. A partir daí, Guiomar alternou entre Estados Unidos e Brasil. A imprensa estadunidense chegou a reconhece-la como a melhor pianista do mundo.
Vida pessoal e curiosidades
Guiomar apresentou-se em Paris, em 1909, na presença da Princesa Isabel, que se emocionou com o talento da pianista.
Em 1920, conheceu e se apaixonou por Octávio Pinto, com quem, mais tarde, veio a casar. Com ele, teve dois filhos: Anna Maria, em homenagem a mãe de Guiomar, e Luiz Octávio.
Em 1922, participou da Semana de Arte Moderna.
Monteiro Lobato, que era vizinho de Chiaffarelli, primeiro professor de Guiomar, inspirou-se na menina para criar a personagem Narizinho do Sítio do Pica-Pau Amarelo, por conta de seu nariz arrebitado.
Em 1938, tocou para o presidente estadunidense Franklin Roosevelt.
Na década de 60, em uma visita a sua terra natal, Guiomar doou alguns itens pessoais, como peças de roupa e LPs para o Museu Histórico e Pedagógico Dr. Armando de Salles Oliveira, que estão lá até hoje.
Conservatório Musical Guiomar Novaes
Em 1953, a musicista Miriam Pipano (junto com outros amantes da música da época) fundou o Conservatório Musical Guiomar Novaes, em São João da Boa Vista, em homenagem à amiga pianista. O objetivo, segundo Miriam, era difundir a música na cidade. Escolheu o nome de Guiomar para o conservatório porque queria que fosse algo que estivesse relacionado à música e à cidade. Guiomar enviou-lhe uma carta agradecendo a homenagem.
A musicista tem, hoje, 93 anos, mas lembra muito bem de Guiomar e com muito carinho. Conta, com orgulho, que a amiga lhe enviou um busto de Mozart da Europa como presente, que ficou exposto no Conservatório pelos anos em que o mesmo funcionou (encerrou suas atividades em 1964). Hoje, o busto encontra-se no subsolo do Theatro Municipal de São João da Boa Vista, doado por Miriam.
O legado
Vânia Noronha não tinha nem quatro anos completos quando começou a dedilhar o piano que o pai havia comprado para a irmã mais velha dela. Foi amor à primeira vista: assim que viu o grande e majestoso piano na sala de casa, quis tocá-lo. História parecidíssima com a também pianista sanjoanense Guiomar Novaes.
O caminho das duas é cheio de semelhanças e se cruzam em certo ponto: Vânia assistiu, ainda menina, Guiomar tocar em São João da Boa Vista na década de 60. O que sentiu foi difícil colocar em palavras: “nossa, foi incrível! Ela é uma lenda e uma inspiração. Teve uma importância gigantesca na música, ainda mais para mim, que também toco piano”, diz ela.
Naquela época, a jovem Vânia tinha aulas no conservatório que levava o nome de Guiomar Novaes. Miriam é outra conexão entre as duas pianistas sanjoanenses: a amiga de Guiomar foi professora de piano de Vânia.
A segunda vez que Vânia esteve na presença de Guiomar foi em 1977, na abertura da primeira Semana Guiomar Novaes. Nesta ocasião, entretanto, a homenageada não tocou. Vânia lembra que ela já estava “mais velhinha, magrinha, mas estava bem! Sempre muito querida, cheia de gente em volta dela”, relembra.
O adeus
Guiomar despediu-se dos palcos em 18 de dezembro de 1972.
Em 1979, sofreu um derrame cerebral. Faleceu no dia 7 de março, em sua casa em São Paulo, vítima de infarto.
A Semana Guiomar Novaes
A Prefeitura de São João da Boa Vista criou, em 1977 (dois anos antes do falecimento da pianista), a Semana Guiomar Novaes – um evento artístico e cultural, que contou com a presença da homenageada na primeira e segunda edição.
A Semana acontece anualmente, geralmente no mês de setembro, e conta com diversos shows e apresentações culturais, como recitais de piano, orquestras, ópera, danças, teatro, etc. Este ano, está em sua 42ª edição, realizada pelo Departamento de Cultura em parceria com a APAA – Associação Paulista dos Amigos da Arte.

A extensa discografia de Guiomar compreende um período de 60 anos de gravações (1919-1979). Na imagem, alguns LPs da pianista. Foto: Luana Zuin

Postais de Guiomar disponíveis no Museu Histórico e Pedagógico “Dr. Armando Salles de Oliveira”, em São João da Boa Vista. Foto: Luana Zuin

Os rolos do piano foram gravados por Guiomar Novaes nos anos 20. Foto: Luana Zuin

Guiomar Novaes. Foto: Internet
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