Pagu: a mulher revolucionária
- Mirela Borges
- 7 de nov. de 2018
- 4 min de leitura

“Pagu tem os olhos moles. Uns olhos de fazer doer”. São com essas palavras que poeta Raul Bopp descreve a beleza de Patrícia Rehder Galvão, por quem foi apaixonado.
O apelido ‘Pagu’ surgiu de um erro de Bopp: ele pensou que o nome dela fosse Patrícia Goulart, e das iniciais tirou o apelido que se popularizou após ser publicado o poema “Coco de Pagu”.
A escritora, poeta, jornalista, cartunista e militante política, Patrícia Rehder Galvão nasceu em São João da Boa Vista, em 9 de junho de 1910. Teve grande destaque no movimento modernista, embora não tivesse participado da Semana de Arte Moderna, em 1922, pois naquela época tinha apenas doze anos.
Bem antes de se tornar Pagu, Zazá, como era chamada pela sua família, já era uma mulher avançada para a época. Fumava em público, usava roupas transparentes, cabelos curtos e eriçados e falava palavrões. Um comportamento que não combinava com os padrões de sua família, conservadora e tradicional. Sua presença foi muito marcante. Para o escritor Plínio Marcos, Pagu foi “um anjo anárquico que veio ao mundo para nos inquietar”.
Tinha apenas 17 anos quando ficou grávida pela primeira vez. O namorado Olympio Guilherme mudou-se para os Estados Unidos antes de Pagu lhe contar sobre a gravidez. Tempo depois Pagu sofreu um acidente e perdeu o bebê. Foram necessários muitos meses para ela se recuperar da tragédia.
As paixões de Pagu
Oswald
Aos 18 anos, Pagu foi apresentada a um dos casais mais famosos da sociedade paulistana da época: o escritor e dramaturgo Oswald de Andrade e a pintora e desenhista Tarsila do Amaral. Encantados com a personalidade e o talento de Pagu, eles a transformaram em uma “boneca”. A levaram para morar com eles, apresentaram-lhe o melhor de seus mundos e a moldaram como militante. Apesar de Pagu ter enorme admiração por Tarsila, ela e Oswald começaram um relacionamento escondido.
Apaixonado, ele descreveu em seu diário o amor proibido que nasceu naquela época. “Se Pagu soubesse o que tem sido minha vida desde maio! Só tê-la, só merecê-la, só alcançá-la. Até o último maio de minha vida, procurarei tê-la, alcançá-la, merecê-la [...]”.
Dois anos depois de se conhecerem, Oswald de Andrade e Pagu se tornaram notícia novamente ao se casarem na frente do túmulo da família do noivo, no cemitério da Consolação, em São Paulo. No mesmo ano, em setembro, nasceu Rudá Poronominare Galvão de Andrade.
O Comunismo
Pagu foi a primeira mulher presa por motivos políticos no Brasil. Após participar da organização de uma greve de estivadores em Santos, ela foi presa pela polícia política de Getúlio Vargas. Este foi o início de uma série de 23 prisões ao longo de sua vida.
Depois de alguns anos de militância, partiu para uma viagem pelo mundo, deixando no Brasil o marido e o filho. No mesmo ano publicou o romance Parque Industrial, sob o pseudônimo de Mara Lobo.
Correspondente de vários jornais brasileiros, Pagu visitou os Estados Unidos, o Japão e a China. Entrevistou Sigmund Freud e assistiu à coroação de Pu-Yi, o último imperador chinês. Foi por intermédio dele que Pagu conseguiu sementes de soja enviadas ao Brasil e introduzidas na economia agrícola brasileira.

Novamente ela foi presa, desta vez em Paris. O motivo? Foi considerada comunista estrangeira após ser encontrada com identidade falsa, e foi repatriada. O casamento com Oswald foi caracterizado pelo excesso de brigas, ciúmes e traições. Separou-se definitivamente dele. Retomou sua atividade jornalística, e outra vez foi presa e torturada pelas forças da ditadura de Getúlio Vargas, ficou na cadeia por cinco anos e depois por mais seis meses por se recusar a prestar homenagem a Adhemar de Barros. Nesses cinco anos, Rudá foi criado por Oswald.
O verdadeiro amor de Pagu... que nasceu na cadeia
Apesar de se conhecerem há anos, foi durante sua prisão que Pagu iniciou o romance com o jornalista e escritor Geraldo Ferraz, quando ele foi acompanhar um amigo durante uma visita na cadeia.
Pagu desenvolveu depressão enquanto estava presa e na tentativa de superar a doença sentiu o impulso de escrever uma longa carta autobiográfica para Geraldo, que anos depois foi editada no livro Paixão Pagu. Quando saiu da cadeia, estava muito doente, arrasada e pesava 44 quilos. Mesmo debilitada, Pagu casou-se novamente e deu à luz Geraldo Galvão Ferraz.
A estrela se apaga mas se torna lenda
No final da vida, quando trabalhava como crítica de arte, Pagu voltou a Paris para se tratar, vitimada por um câncer. Submeteu-se a uma cirurgia que não deu certo. Nesta época tentou suicídio. Muito doente, viveu até dezembro de 1962. Na véspera de sua morte, um último texto seu é publicado em "A Tribuna" - o poema "Nothing".
Seu legado continua presente em nossa sociedade. A vida de Pagu foi contada no filme Eternamente Pagu (1987), ela também foi tema de dois documentários: Patrícia Galvão – livre na imaginação no espaço e no tempo, baseado no livro de título homônimo, ganhador do prêmio Exu Jorge Amado, da Jornada Internacional de Cinema da Bahia, e do documentário Eh, Pagu!, Eh!. Ela aparece como personagem do filme O Homem do Pau Brasil e na minissérie Um Só Coração.
A música Pagu escrita por Rita Lee virou sucesso e mostrou novamente a influência que Patrícia Rehder Galvão ainda exerce apesar dos anos. No ano do centenário de seu nascimento duas homenagens foram feitas a ela: sua história chegou aos palcos do teatro com o espetáculo Dos Escombros de Pagu, baseado no livro homônimo de Tereza Freire, e foi publicada a Fotobiografia Viva Pagu, de autoria de Lúcia Maria Teixeira Furlani e de seu segundo filho Geraldo Galvão Ferraz. Pagu foi também enredo da Escola de Samba X-9 de Santos.

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