O Teste de Bechdel e a representatividade da mulher no cinema
- Anna Luísa Dias Bottene
- 7 de nov. de 2018
- 4 min de leitura
A luta das mulheres por igualdade entre os gêneros ocupa cada vez mais os campos da sociedade patriarcal, que tende a deixar as mulheres em segundo plano. Isso não é diferente na indústria cinematográfica. A maioria dos funcionários são homens e ganham salários mais altos tanto em frente às câmeras quanto nos cargos de produtores, roteiristas, diretores e outros.
Pensando na representatividade da mulher no cinema, surgiu o Teste de Bechdel (Bechdel Test), algumas vezes chamado de Regra de Bechdel. O teste é simples e se aplica aos filmes, que precisam obedecer a três critérios: (1) ter pelo menos duas mulheres, (2) elas precisam ter nomes e (3) precisam conversar entre si sobre assuntos que não sejam homens. O Teste foi popularizado pelo quadrinho “The Essentials - Dykes to Watch Out For” (O Essencial – Dicas para se Ligar) de Alison Bechdel, em um capítulo chamado “The Rule” (A Regra).

O objetivo do teste é analisar se os filmes possuem personagens mulheres participativas e questionar se a participação feminina faz diferença no enredo. Parece simples, né? Acontece que quando nós colocamos na ponta do lápis, percebemos que a maioria dos filmes não passa no teste, o que significa que as mulheres ainda estão em segundo plano também nos filmes. Forrest Gump, Sociedade dos Poetas Mortos, Star Wars – Uma Nova Esperança, Taxi Driver, Deadpool 2, Blade Runner 2049 são apenas alguns dos filmes reprovados.

Ellen Tejle, diretora de uma sala de cinema na Suécia, criou o selo A-rate e passou a identificar os filmes que seguiam as regras de Bechdel. A partir dessa ação, outros países abraçaram a ideia, como o Brasil, que foi o primeiro da América Latina a adotar o selo, em abril de 2017.
A legendista e tradutora de dublagem de filmes e seriados, Lilian Maria Spletstoser, natural de São João da Boa Vista (SP), trabalha com enfoque em projetos para a televisão, como o reality show canadense Irmãos à Obra (Property Brothers). Lilian falou sobre como ela avalia o Teste de Bechdel na indústria cinematográfica e também quais os rumos necessários para se alcançar a igualdade de gênero nos cinemas.
A: Por que oficialmente o Teste de Bechdel se aplica somente a filmes?
L: Não sei responder com dados, mas creio que seja porque na época que ele foi criado o filme era o principal meio de entretenimento, o que mais alcançava a audiência. Não havia muitas séries de TV. Mas ele pode ser aplicado em qualquer meio de entretenimento, até quadrinhos (onde o teste foi criado).
A: Você acredita que o teste ajuda a aumentar a participação da mulher nos filmes?
L: Não acredito, mesmo porque já é um teste antigo e, se analisarmos os filmes que concorreram ao último Oscar, vários não passam no teste. O teste ajuda a filtrar o que a gente assiste, mas não creio que tenha impacto na indústria em si.
A: O que precisa ser feito para mudar esse cenário?
L: Acho que o cenário está mudando por vários motivos. As atrizes não aceitam mais qualquer papel, cargos antes ocupados por homens hoje são ocupados por mulheres, sem falar na exposição que os homens que cometem abuso de poder estão passando, como o caso de Woody Allen. O lançamento do próximo filme dele está quase sendo vetado por causa de acusações por estupro e assédio. Essas acusações são antigas, mas antes as mulheres tinham medo de denunciar. Acredito que a coragem e a rede de apoio que elas estão desenvolvendo têm um papel muito importante para tudo isso acontecer.

A: Qual a importância do Teste de Bechdel para a indústria cinematográfica?
L: Eu acho que nunca deram muita importância para o teste no meio cinematográfico, tanto que até hoje temos grandes produções que não passam pela peneira. Mas talvez agora ele esteja ficando mais relevante por conta do que falei antes, as mulheres não aceitam mais qualquer papel, querem ocupar cargos importantes, querem receber o mesmo salário dos homens. Por exemplo, a atriz Robin Wright de ‘House of Cards’ disse que só continuaria filmando se ganhasse o mesmo salário que Kevin Spacey, já que ambos eram protagonistas. Eu acho que é esse tipo de coisa que vai fazer a mulher ser tratada de forma mais digna.
A: Além do teste, o que mais pode ser feito para conquistar a igualdade de gênero no cinema?
L: Ajustes de salário e cachês, ou seja, para exercer uma mesma função os funcionários devem ganhar o mesmo salário, exposição de casos de assédio, mais mulheres ocupando cargos altos nos escritórios e também no estúdio.
A: Então você acha que para que a conquista da representatividade feminina nos cinemas seja efetiva, precisamos ter mais mulheres exercendo cargos de poder nos institutos de mídia?
L: Com certeza. Enquanto todas as decisões forem tomadas por homens, a luta será sempre difícil. Ter mais mulheres em cargos altos, que tomam decisões, pode contribuir muito para um cinema mais digno, com histórias mais interessantes, sem objetificação da mulher, com menos filmes que não passam no teste e, acima de tudo, com respeito.
A: Como fazer com que o Teste de Bechdel alcance o público de massa, ou seja, não apenas os críticos ou pessoas engajadas no assunto?
L: Eu acho que o teste é pouco conhecido. Talvez se as mulheres engajadas em conseguir seu espaço falassem mais sobre ele, a população teria mais consciência, assim como a mídia.