Maria Sguassábia
- Helton Kempe
- 7 de nov. de 2018
- 4 min de leitura
Maria Sguassábia
“Era branca como uma estrela e bela como uma rosa”, assim seu pai a definia e isso inspirou o seu nome, Stela Rosa Sguassábia, a Maria Sguassábia. De Araraquara, interior de São Paulo, nasceu em 12 de março de 1899. Filha de José Sguassábia e Palpello Clotildes, imigrantes italianos, tinha cinco irmãos, Clara, Florinda, Primo Irineu (sim, seu nome era Primo Irineu!), Antônio e João. Aos três anos, mudou-se com a família para São João da Boa Vista onde passou sua infância e adolescência. Com a ajuda dos pais, formou-se professora. Aos 23 anos, casou-se com José Pinto de Andrade, de quem logo ficaria grávida e viúva. Desamparada, Sguassábia vai viver com os pais até o nascimento de sua filha, Maria José de Andrade, em 29 de janeiro de 1923. E então muda-se para a zona rural de São João, na Fazenda Paulicéia.

De professora à combatente
Em 1932, as tropas paulistas atuavam nos combates contra o governo Getúlio Vargas exatamente na fazenda Paulicéia, onde Maria Sguassábia lecionava. No primeiro combate, os soldados paulistas acabaram derrotados e decidiram retroceder para a fazenda Paulicéia. E entre os soldados, estava seu irmão Antônio. Através da janela da escola, Maria via a movimentação das tropas, quando presenciou um soldado paulista desertar. De acordo com o depoimento para jornal O Globo, em 1952, foi a atitude do soldado que a encorajou a lutar na revolução. “Decidi acompanhar o meu irmão. Deixei minha filha com o administrador. Voltei para encontrar o fuzil abandonado pelo soldado desertor, vesti a farda que meu irmão me dera para lavar. E quando o caminhão dos soldados passou rente à escola, corri atrás e subi”.
No caminhão ninguém percebeu a presença de Maria durante o trajeto até a trincheira, somente seu irmão, que fez de tudo para desencorajá-la a seguir para os combates, porém não conseguiu convencê-la. À noite, já em Espírito Santo do Pinhal, eles batalharam. No dia seguinte, o tenente Mario dos Santos Meira a descobriu. Maria implorou para que eles a aceitassem no batalhão. Sem saber o que fazer com a situação, o tenente acabou levando o caso ao comandante Romão Gomes que decidiu que a professora poderia ficar. Dessa forma, então, foi incorporada a 4ª companhia do batalhão da polícia civil, adotando o pseudônimo “Mário Sguassábia”. Inicialmente a tropa foi relutante diante da sua presença, mas pouco a pouco Maria foi convencendo aos demais os seus méritos e passou a servir de exemplo, encorajando os soldados.
Maria em combate

“Numa colina banhada de luar tinham vultos. Mal tive tempo de pensar e uma saraivada de balas zunia sobre nós. Antônio me ensinou a manejar o fuzil. O tenente Meira circulava pela trincheira dando ordens e de súbito gritou: 'Fogo!'. Apontei em direção aos vultos e puxei o gatilho. Atirei muitas outras vezes naquela madrugada. Quando amanheceu o fogo cessou. Eu estava com o ombro direito roxo, dolorido. Os braços exaustos, mas o coração limpo, aliviado. Foi quando o tenente Meira parou diante de mim. Os meus cabelos estavam soltos ao vento!” — Depoimento de Maria para a Revista Manchete, em 1957.
Segundo o tenente Mario dos Santos Meira, Maria e seus colegas combateram 1.200 homens e, após 26 horas, venceram o inimigo. Maria resistiu durante toda a luta como uma verdadeira espartana, sem comida e sem água, manteve-se calma, sem se queixar de nada, atitude que acabou transformando-a em motivo de admiração e estima dos companheiros. Após esse combate, junto com sua tropa, fez os inimigos recuarem da cidade de Casa Branca, e então marcharam em direção a Vargem Grande do Sul. “A tropa mal havia se recuperado e estávamos fazendo levantamento das armas abandonadas pelo inimigo. Foi quando recebemos a ordem de recuperar Vargem Grande do Sul. Tivemos que andar 11 horas até chegar a cidade ocupada pelo inimigo, que resistiu tenazmente. Tivemos que tomar rua a rua, casa por casa. Neste dia eu senti como era duro guerrear” – depoimento para a Revista Manchete, em 1957.
Na cidade, mais precisamente no bairro do Pedregulho, ela e mais alguns soldados paulistas prenderam o tenente João Batista Silveira, comandante da tropa mineira. Pelo mérito do seu feito, naquele dia Maria Sguassábia foi promovida a cabo, e mais tarde a sargento. Porém, o tenente preso por ela não esqueceu o fato. Após o fim da revolução, ele volta a São João e exige que o Prefeito a exonere do cargo de professora. Maria jamais voltou a lecionar.
“Durante seis meses eu consegui sobreviver costurando para um alfaiate. Depois, com o governador Armado Salles Oliveira, conseguiu ser nomeada inspetora de alunos numa escola estadual” – relatou Maria, em depoimento, no livro “1932 em São João da Boa Vista”.

De volta a São João da Boa Vista, Maria e a 4ª Companhia participam de outro combate, dessa vez em São Sebastião da Grama, o que segundo ela, foi o mais feroz de todos. Logo em seguida, toda a tropa é chamada a recuar, todos são deslocados para Campinas. Já na cidade, eles recebem a notícia de que São Paulo havia capitulado e assim acabava a revolução.
Velhice e morte
A década é a de 1970, Maria já é uma senhora. Em nada lembra a mulher que lutou nas trincheiras junto aos soldados na revolução. Desde que ficou viúva não se relacionou com nenhum outro homem, viveu sozinha em sua casa na rua Cel. Ernesto de Oliveira. Sentia muita tristeza e solidão, conseguiu se aposentar apenas em 1957. Aos 71 anos, o corpo começara a enfraquecer, Maria apresentara problemas no fígado, o que a deixara com aparência amarelada e de pessoa doente. Poucos anos depois, foi internada e faleceu em 14 de março de 1973, dia de seu aniversário. Seu corpo está sepultado no cemitério São João Batista, em São João da Boa Vista.
Falta de reconhecimento
Maria Sguassábia faleceu sem nunca ter sido devidamente reconhecida como uma heroína da revolução constitucionalista. A única homenagem, póstuma, destinada a ela, foi uma rua com seu nome. Por meio de um decreto, no dia 06 de abril de 1976, o prefeito Antenor José Bernardes, alterou o nome da Rua Dois, no Jardim Molinari, em São João da Boa Vista para Rua Maria Sguassábia.
Nos dias atuais, ainda muitos moradores da cidade não conhecem a história de Maria. Podem até saber superficialmente que houve uma mulher que lutou na revolução de 1932, mas superficialmente apenas.
A história de Maria Sguassábia é a história de uma mulher que fez questão de emprestar sua coragem e bravura em um período importante da história no Brasil e por isso essa deve se manter viva.
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